12 agosto, 2012

Guarde a Rosa...

"Guarde a rosa, que eu te dei esquece os males que eu te fiz A rosa vale mais que a tua dor Se tudo passou, se o amor acabou a rosa deve ficar num canto qualquer do teu coração o amor reviverᘠO amor e a rosa (Pernambuco/Antonio Maria) Tinha um amigo na faculdade, naquela época meados dos anos 90, que gostava de me presentear com fitas cassete que ele mesmo gravava, garimpando as pérolas de seu acervo discográfico. Eu amava e por vezes também retribuía - justiça seja feita, não com a mesma freqüência e quantidade - com seleções feitas não necessariamente a partir de recortes de gênero ou épocas, mas por outros bem pessoais, de identificação, o que tornava esta troca ainda mais gostosa e rica, posto que em cada uma das fitinhas a gente recebia um pouquinho um do outro. Até hoje, nos raros momentos em que conseguimos nos falar, nos perguntamos sempre: "o que você anda ouvindo"? É quase como me perguntar se está tudo bem e como vai a família. Pois bem, numa destas fitinhas K7 foi que conheci a musicalidade de Rosa Passos, cantora e compositora baiana de voz aparentemente pequena, com uma suavidade e dinâmica incríveis na interpretação, um violão cadente e com harmonias candentes, dissonantes, divinas. Se não estou enganada, a música que cantava era "Paris, de Santos Dumont aos Travestis", de Aldir Blanc e Moacyr Luz. Eu simplesmente pirei! E depois pirei mais quando ouvi suas músicas próprias, as duas primeiras foram "Dunas" e "Juras". Identifiquei-me imediatamente com a levada bossanovista e ao mesmo tempo jazzística da cantora e compositora. Fiquei me perguntando porque o Brasil não conhecia aquela cantora, que mais do que apenas cantora, é uma musicista completa, que valoriza cada nota, cada solo dos instrumentistas que a acompanham. Ela cantava o repertório que eu sonhava cantar, e com acompanhamentos instrumentais que eu sempre sonhei ter, nas minhas ilusões de cantora amadora. Reminiscências à parte, o que me faz escrever este post é o show belíssimo a que tive oportunidade de assistir, no teatro do SESC Belenzinho. Após anos - acho que mais de 10 anos- sem vê-la e ouví-la ao vivo, reencontrei-me com a diva, de qualquer coisa perto de 1 metro e meio de altura, cabelos curtos, dançar meio desengonçado, mas uma gigante, um monstro cantando! Ela deitou e rolou na cama instrumental armada pelos competentíssimos Fábio Torres (piano), Paulo Paulelli (contrabaixo acústico), Celso de Almeida (bateria) e Lula Galvão (violão e arranjos). Pensei na hora que existem dois tipos de show: aquele todo clean, que parece um CD de tão perfeito e sem humanidade, e um show como o de Rosa Passos. Estavam ali sim, todos os arranjos e convenções, nas pontas dos dedos. Mas quanta humanidade, quanto improviso, quanta vida havia naquele palco! A música, pra mim, não se faz presente só nas notas, nos contratempos, nas cadências bem balançadas, no virtuosismo de um solo, mas também na expressão de gozo e entusiasmo de cada músico, na troca de olhares, no sorriso maroto ao ouvir uma nota bem colocada, uma inversão, uma síncopa diferente. Rosa e seus músicos se divertiam e nos convidavam a participar daquele bate papo musical delicioso. A energia era muito boa!!! Motivo maior de felicidade eu tive porque era o meu reencontro com os shows que tanto alimentam minha alma, após 3 meses de nascimento do meu rebento, e também porque estava com uma grande amiga, daquelas de alma e de música, feito aquele outro amigo das fitas K7. Daquelas pessoas capazes de chorar litros durante um show só porque se emocionou com um acorde. Pessoa por quem nutro um carinho e uma admiração profundos. Saí do show com vontade de cantar, com vontade de desenferrujar a escrita, como estou fazendo agora, e com vontade de celebrar a música e a amizade, essa amizade que brota da identificação e da emoção de compartilhar um mesmo gosto, um mesmo prazer na vida. E vontade de dizer a todos: ouçam Rosa Passos e sejam felizes. Lavem suas almas com um pouco de ótima música!

25 maio, 2012

Sou mãe, simples e complicado assim

É isso. Ontem eu era só uma criança, sonhando que podia ser tudo e que moraria no Rio de Janeiro, tendo Tom Jobim como trilha sonora. Ontem eu era a moça meio perdida, carregando uma tristeza profunda dentro de si, uma saudade de não sei o que, tomando algumas doses de rum pela noite e chorando e rindo com intensidade. Ontem eu era a jornalista tentando se encontrar numa redação. Ontem era a namorada incompreendida, a mulher com um amor impossível, aquela que subia no palco e cantava no chuveiro com todo o coração, entregue à música que parecia sempre inatingível. Hoje olho para o rosto do meu filho, que tem 20 dias de vida, e não sei mais qual dessas eu sou, se ainda sou todas elas ou se se perderam dentro desse projeto de mãe que agora se cria, na marra, no tranco, como flor brotando na marra por entre pedras. Para quem tinha medo de uma vida ordinária, normal, uma vida de verdade, destas vividas e não imaginadas com toques poéticos e musicais, até que eu fui longe. Pari uma vida real, literalmente. Depois de tanto imaginar para mim mil vidas, mil cenários, mil trilhas sonoras, depois de sentir saudade sempre e tanto do que nem sabia, depois de ter tido dificuldade de me despedir e me desfazer de cada capítulo de minha vida, depois de ter me prendido tanto a cada paisagem que fui vendo pelo caminho agora encaro meu filho, vida pura, linda, porém dura, nua, crua, com direito a choro sentido, noites mal dormidas, responsabilidade para toda vida, seios doloridos, olhos embotados de sono, dedicação exclusiva. Agora preciso fazer por ele, não dá mais para imaginar mil cenários, e nem ensaiar o que vou ser. Eu simplesmente sou e faço, sem tempo para ensaios, imaginação, planejamento. Sou mãe. Simples e complicado assim.

09 janeiro, 2012

A dor-de-cotovelo elegante de Nana

Um homem com uma dor é mais elegante, já diria Leminski. Ouvindo Nana Caymmi eu diria que uma voz com uma dor é muito mais elegante. Não sei se Nana se dói quando canta, mas a impressão que tenho, toda vez que a ouço, é que ela tem o privilégio de poder chorar todos os amores do mundo na sua voz, uma voz visceral, que explode, mas não grita, que enche o ambiente, mas sempre impregnada de um veludo grave de contralto que não agride, acaricia. Algo diferente de tudo. Único. Saído da forma única de que foram feitos todos os Caymmi, com suas vozes inconfundíveis com gosto de mar e maciez das areias da Bahia.
Com uns 15 anos eu já chorava ouvindo a Nana cantando boleros, com minha alma de velha, ou com minha memória afetiva de outras vidas? Vai saber. Com os meus 19, 20 anos, consegui convencer um amigo que dizia não gostar da Nana ao apresentar-lhe sua versão para "Siameses", música de João Bosco, faixa do álbum do compositor chamada "Comissão de frente". Com essa música a voz de Nana ficou tatuada na minha construção musical. Tive outros impactos fortíssimos com esta voz. Nada mais belo que "Medo de Amar", de Vinícius de Moraes, cantado por Nana. Casamento perfeito entre uma voz de diva e o talento de um compositor e arranjador mestre como Cristóvão Bastos em "Resposta ao Tempo". Todo dia, quando começava a minissérie "Hilda Furacão", meu coração disparava quando ela começava: "Batidas na porta da frente, é o tempo..."
Ontem assisti Nana pela segunda vez ao vivo, no SESC Vila Mariana. O típico show que a gente vai para ouvir exatamente mais do mesmo, mais do mesmo e saboroso repertório, e descobre que outras tantas pessoas estão ali para ouvirem exatamente a mesma coisa, e se transportarem para outros momentos, instantes, cheiros, cores, histórias de vida, emoções. Sim, porque nem só de novidade vive a música, e sim de fazer trilha enquanto a gente vive. Estava lá a diva às avessas, bocuda como sempre, falando o que lhe vinha à cabeça, contando histórias dos netos, se emocionando ao falar do pai, reclamando dos leques de renda, que não fazem tanto vento e que não a salvam do calor insuportável do palco. Estava lá a diva desfilando mais do mesmo delicioso repertório corta pulsos: "ah, eu não te amo porque quero, ah se eu pudesse esqueceria" ou "onde você estiver, não se esqueça de mim". E eu iria cobrar meu ingresso de volta se ela não cantasse "Só louco": uma música deste tamaninho, com uma mera estrofe, mas que é de se ouvir rezando, ou chorando, ou sentindo saudade de num sei o que.
Saí me perguntando se emoção, elegância, se bolero e samba canção, se isso está mesmo fora de moda, ou se é o mundo que ficou menos elegante. O que será de nós quando não mais houver Nana Caymmi?